sexta-feira, 27 de abril de 2012

Rodolfo era um desses homens que acorda sempre cedo e independente do despertador, põe os pés no chão, toma o copo de leite e sai para o trabalho. Rotineiramente, durante anos, Rodolfo sempre fazia o mesmo percurso, indo e vindo para cumprir suas obrigações de funcionário público. O lema de Rodolfo era a vida concreta e sem abstrações. Tudo andava muito bem até começar a sentir pequenas palpitações no coração. Rodolfo resistiu o máximo que pode mas foi ao cardiologista. Depois de uma bateria de exames, o médico disse que estava tudo bem e Rodolfo protestou afirmando sentir diariamente esquisitas palpitações! Sem diagnóstico, folgou a gravata e saiu caminhando em direção a estação. O que Rodolfo não havia contado era que a mais ou menos dois meses Carla havia sido transferida para o seu setor. Carla era uma das poucas mulheres daquele escritório. Diferente de Rodolfo, Carla era um furacão! desde que ela passou a sentar na mesa em frente a de Rodolfo, nunca mais ele pode ter dignamente uma rotina. Agora, ele passa horas parado olhando para a tela do computador que o separa de Carla e ouvindo-a digitar e sorrir...tudo que Rodolfo faz no trabalho, quando Carla chega, é imaginar! outro dia até perdeu a hora pois estava com Carla a sonhar...

quarta-feira, 25 de abril de 2012


Desanuviar o juizo
É como se fosse
Nuviar o pensamento

Deixar o pensamento
Entrar no estado de ser nuvem...
feito algodão-doce
E a gente pudesse passar a mao por dentro dele
Ou, se colocar na boca e sentir ele virar
 puro açúcar derretendo

desanuviar o juízo é, como se fosse possível,
transformar o pensamento sofrido
Em estado de ser levado por vento.


terça-feira, 24 de abril de 2012

GAVETA DE PANDORA: O ESQUECIMENTO E SUAS ILUMINAÇÕES

Fátima desceu as escadas enquanto procurava as chaves no bolso. Há tempos não ia naquela parte da casa e logo que chegou a porta pode sentir o cheiro do tempo que passou. A porta rangeu ao abrir, como se reclamasse de ter ficado esquecida por tanto tempo e Fátima limpou as mãos empoeiradas batendo-as sobre as coxas. Dentro do quarto, a luz ainda era amarela e os móveis estavam cobertos por uma fina camada de antiguidade, fato que foi verificado no susto de Fátima ao ver uma pequena aranha passando para continuar a sua teia.

Fátima abriu as gavetas do criado-mudo. Guardara lá, em uma caixa de madeira, as fotos que trouxera da casa de sua mãe durante a mudança. Ela riu com saudades das tardes ensolaradas de domingo no quintal de sua avó e do bolo de mistura com cobertura de chocolate do seu aniversário de sete anos...Fátima perdeu-se no tempo em meio as gavetas que iam-se abrindo.

Quando já alcançava a última gaveta, foi da sala que chegou o tirintar do telefone, recordando de que já chegava a hora de retornar. A gaveta meio emperrada ficou entre aberta e, quando Fátima bateu a porta, iluminou-se de esquecimento e memória o quarto no fundo da casa.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Que vejo flores em você

Paulo tinha saido como de costume...era domingo e faria sua rotina de sempre: iria na padaria, passaria na banca de revistas para comprar cigarros e por fim, bateria um papo com a florista da esquina. Tudo estava indo bem até a conversa com a florista ser interrompida por um rapaz afoito que entrava para comprar um buquê de rosas para a mulher. solicito, Paulo fez as honras da casa, como um anfitrião, e conduziu o rapaz para a ala das rosas enquanto colocava em prática todos os saberes sobre flores que havia adquirido ao longo dos meses de conversa com a florista. A conversa entre os dois rapazes virou um grande encadeamento de fatos e acasos e Paulo foi embora se dando conta de que teria perdido o horario. No domingo seguinte, acordou e fez tudo como de costume e quando já saia da loja encontrou Roberto na esquina. Os rapazes se cumprimentaram e Paulo convidou Roberto para tomar um café em sua varanda. Lá a conversa das flores só teve fim quando as palavras perderam o espaço para os olhos que se fitavam e a vida pode dar seguimento ao seu curso de enredar histórias.

Maldito sonho de Valsa

No cinema, sozinha, ocorreu-lhe uma grande idéia. A moça aproveitou o clima de páscoa, a solidão dos estudos do rapaz, o desejo de poder encontrar novamente aqueles olhos desconfiados. Foi na bomboniere do cinema, escolheu pelo sonho de valsa, um clássico. Ainda antes de pegar o embrulho, ligou para ter certeza de q tudo ocorria bem. Do outro lado, diante do mistério, apresentou-se uma voz confusa que exigiu sentidos e lógicas. Mas isso estragaria tudo. A moça olhou-se no espelho, garantiu os tons dos cabelos cacheados, perfumou-se e partiu. Foi recebida com dois olhos assustados e sem alegrias! Recolheu a felicidade que se passava por dentro e se despediu, ainda tendo tempo do rapaz agradecer-lhe o chocolate. E foi só! 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Chuva de dentro...

Martha estava sentada no bar, que por conta da chuva tinha pouco movimento. Naquele dia, tinha acordado bem cedo e ido ao atacadão fazer as compras do mês. Enquanto os últimos clientes se arrumavam para pagar a conta, Martha chegou na porta e encostou-se na parede, assim como quem cansou do dia. A chuva caindo fazia um barulho grosso ao bater no fundo do balde, enveronhada, comentou com os clientes que já tinha chamado seu Roberto, "não sei quantas vezes", pra dar um jeito naquelas telhas. Resmungou do dia puxado, coçou a cabeça e deu o troco. Depois ficou alí, parada, esperando a chuva passar, com aquele aguaceiro não dava pra voltar pra casa.  

A chuva lembrava-lhe a solidão! ficou com saudades dos filhos que estavam em São Paulo. Foi em uma noite como aquela que Martha chegou em casa e não encontrou ninguém. Humberto tinha arrastado os filhos sem deixar nenhum rastro. Martha sentiu as pernas doerem e com as mãos nos joelhos olhou novamente a chuva. Levantou, fechou o bar e a última coisa que se sabe é que Martha sentiu o coração alagado.   

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Traquinagem para colar os pedaços.

Lia amanheceu estranha naquela manhã. Diante da esquisitice, ainda na cama, passou levemente a mão pelo corpo a fim de conferir que tudo ainda estava no lugar. Por conta da chuva, pensou em esticar o tempo na cama mas, ao seu lado, o ronco de José lembrava-lhe do café pra fazer. Levantou e saiu tateando a porta até encontrar a luz. Andou até o banheiro e no caminho, olhou os filhos na cama, decidiu deixa-los aproveitar. No banheiro, lavou o rosto a fim de despetar e, quando já quase se virava para aprontar o café, deparou-se com o espelho. Alí, diante dela, uma mulher cansada e triste a espiava. Foi nesta hora que Lia ouviu José levantar e correu para a cozinha. Acordou o menino, passou a camisa - marido dela não ia abarrotado pro trabalho - botou o café na mesa e, quando tudo sossegou, voltou correndo para o espelho. Lá, Lia se perguntava como tanto tempo havia passado...Diante dela estava uma mulher despedaçada! Triste, sentou-se no sofá e, enquanto misturava o café na xícara,  o tempo em que era menina e corria descalça pelas ruas de barro do interior começou a chegar. Lia deu um pequeno sorriso em meio aos olhos que se enchiam de água. Lembrou do rio e da seca, da árvore e dos bichos, da traquinagem com os meninos da casa ao lado. Teve uma ideia mas, achou mesmo que tava ficando abobalhada! Não resistiu! O parque tinha chegado no bairro a mais de uma semana e Lia guardava no minhaeiro, diariamente, moedas para algum momento especial. Lia olhou-se no espelho, a mulher triste e cansada ganhava ares de traquinagem. Tratou de mudar logo de roupa e saiu sem fazer barulho. Naquela manhã Lia esqueceu de aprontar o almoço.

Aline Matheus

terça-feira, 17 de abril de 2012

Faça um blog já: Escrita e Publicação

O ato histórico da escrita atravessa, pelo menos para mim, o processo de revelação do ser a partir da palavra. Abrigo dos delírios e devaneios, o registro escrito carrega consigo a fantástica fábrica inventiva do ser humano. Prova disso, encontramos nos cadeados e nas diversas artimanhas de tornar secreto, muitas vezes não somente para o outro, as facetas da imaginação e a própria construção do cotidiano, tal como vivenciamos (valendo a nota de que isso é diferente dos fatos concretos). É no registro que se encontra também o jogo entre a memória e o esquecimento, o dito e o não dito, as significações diversas de um olhar sobre o mundo, a própria experiência. Desta forma, o registo cumpre o papel de recolher/acolher uma vida, uma história, uma criação cotidiana.

Certa vez, ao mandar um pequeno texto para um amigo e já quase não sustentando a ansiedade de sua possível "avaliação", me veio como resposta, apenas uma frase "faça um blog: já". Me lembro de ter ficado estatalada na frente do computador, em meio as demandas que iam surgindo no trabalho. Sim! como era difícil tornar público, mostrar a outros, uma escrita cotidiana e íntima.

Mas, afinal, para que servem os cadeados e esconderijos, se não para serem descobertos? Não é através deles que sinalizamos para o mundo o desejo da violação e da descoberta? Então ai está! como resposta a resposta que me foi dada, por uma vida que vai sendo narrada, pelo desejo de encontros e compartilhamentos!