quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pontos de molecagem na sequência dos fatos rotineiros...

Cristina desceu do carro e avisou  ao porteiro que anunciasse a sua chegada. Sentou, cruzou os pés e esperou pela descida de Alberto. Lá pras tantas da conversa, Alberto ofereceu um café que Cristina aceitou só porque a oferta lhe era inesperada. Alberto levantou-se da cadeira apoiando os braços e jogando o peso do corpo para as pernas...Cristina ainda pensou em avisar-lhe do açúcar mas, não foi possível...Quando Alberto saiu, ela dependurou-se no muro afim de passar o tempo olhando a rua e as pessoas que por alí passavam...Foi quando escutou, vindo de cima, um barulho de louça...no fundo Cristina sabia que jamais escutaria do térreo o movimento do nono andar...mas do que lhe importava isso? A moça fez um ar de descoberta e voltou-se para o barulho, imaginando Alberto envolvido entre xícaras, pires e biscoitos...Quando Alberto chegou, Cristina sorriu, agradeceu e voltou a conversar com olhos de molecagem...

quinta-feira, 10 de maio de 2012




Já as quatro da manhã o galo de Januário anunciava o principio do dia e as cinco e meia o sol já rasgava o céu, iluminando aquela extensão de terra  que se acumpridava para além das vistas...Januário acordou tateando os móveis  e esticando o corpo. Da janela, avistava a terra que ali estava entregue aos seus cuidados. Requentou o café preto do dia anterior, amoleceu o pão na saliva e calçou as botas...Atrás da porta, pegou o instrumento, espreguiçou-se, ainda tendo tempo de trocar um bom dia rápido com o galo que já se preparava para dar mais uma vez os avisos...Januário caminhou tão infinitamente quanto a terra e por algum motivo, naquele dia, o som da bota no chão, fez com que ele parasse e olhasse para baixo. Januánrio passou a mão na testa e pode ver, por entre os cílios, a gota de suor a escorrer e evaporar-se antes de chegar ao chão.  Parado, olhava aquela terra seca e rachada, aquela terra que em outra estação tinha sido palco de tanta vida... Alembrou-se do tempo de menino, mas menino mesmo, que mãe e pai chamava para o trabalho e a família inteira caminhava infinitamente até o meio da terra...mas desde que ouviu seu pai dizer que ganhou corpo,  foi mandado para aquela fazenda no meio do nada, de algum fazendeiro que por lá nunca aparecia...Januário agachou-se no chão e passou os dedos na terra, não havia barulho de nada em volta, estava só...ele, a terra e seu coração seco e rachado de tempo e saudade...só os olhos de Januário é que se molharam naquela manhã... 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Um convite as emoções: Soledad e a solidão de encontrar-se

Tinha bem uns três dias que Soledad acordava com um choro contido depois de sonhar continuamente com uma porta entre-aberta da qual saía um fio de luz amarelada iluminando um grande salão de chão de madeira e paredes descascadas pelo tempo...Quando acordada, em meio ao susto, lembrava-se da frase da sua infância "Soledad, engula o choro" e de forma obediente continha-se ainda na cama, respirava fundo e só então dava inicio a sua rotina...Os sonhos permaneceram por mais de uma semana, sempre aquela porta entre aberta, aquele filete de luz oferecendo-se como um ópio ao seu corpo e quando acordada a lembrança...Quantos choros Soledad deveria ter engolido ao longo da vida? que convite fazia aquele filete de luz irresistivelmente amarelado e aquele duplo sentimento de curiosidade e horror que fazia Soledad correr quase em desespero? Foi em uma madrugada, entre as folhas secas do quintal que Soledad se fez essas perguntas e depois, esgotada, dormiu alí mesmo...no sonho, entrava no salão de chão de madeira, iluminado por um filete de luz amarela saído de uma porta entre aberta...Soledad caminhou como uma criança que acaba de aprender a andar, meio tropega e ofegante...respirou e pôs levemente os dedos e somente depois a mão na fechadura empreendendo toda a sua força para abrir aquela porta...preenchido o salão pela luz amarela, Soledad sentou-se cansada e feliz e regurgitou o choro de uma vida inteira...

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Abacates Verdes prontos para amadurecer

Havia tempos em que Lucila não comia abacates, desde que tinha virado moça, abandonara-os junto com a meninice. Em sua infância, o barulho dos abacates no liquidificador costumava amanhecer o seu corpo, e Lucila sempre ficava intrigada com a cor verde dos abacates e com aquele enorme caroço no meio. Ainda pequena, já teria feito milhares de experiencias para tentar descobrir que segredo os abacates escondiam ou que, pelo menos, poderiam guardar...E foi assim, como quase tudo que importa, que em uma noite qualquer, saindo do trabalho, uma moça lhe perguntou se ela gostava de abacates, já com um saco inteirinho deles nas mãos. Durante dois segundos Lucila ficou sem ter o que responder a moça na sua frente que segurava pacientemente o saco...a resposta afirmativa fez com que a mulher, carinhosamente, lhe entregasse os abacates voltando-se para completar "os abacates estão prontos para amadurecer...já dá pra sentir o caroço".

Lucila pegou o saco e guardou mas, não pode deixar de ser invadida por uma grande correnteza de lembranças que a levava para a sua infância e que diretamente fazia-a pensar nos segredos guardado pelo caroços e esquecidos no seu passado...Naquela noite, Lucila sentou-se como uma criança no meio da cozinha, pegou uma faca e já emocionada abriu o caroço para amadurecer..